Financiando a Universidade: Alemanha x Estados Unidos

Financiando a Universidade: Alemanha x Estados Unidos

Em texto publicado pela plataforma Quillette, o advogado e professor americano Andrew Hammel argumenta em favor da cobrança de mensalidade em universidades alemãs. Educado nos Estados Unidos, Hammel parte de sua referência, o sistema americano, para avaliar as fragilidades das universidades alemãs apontando razões, que na sua visão, justificariam a cobrança de taxas universitárias mais elevadas que as atualmente praticadas pelas universidades germânicas.

Tendo passado também por ambos os sistemas de ensino, americano e alemão, alguns dos argumentos apresentados por Hammel me parecem razoáveis. A quantidade excessiva de serviço administrativo a qual são submetidos os professores, aliada a regulação algumas vezes demasiado rígida da proporção professores x estudantes baseada em uma população universitária que se expandiu consideravelmente nos últimos anos por vezes compromete a capacidade dos professores de se dedicar a sua atividade fim de lecionar e acompanhar de forma mais próxima os estudantes. A ausência de escritórios de acompanhamento psicológico ou de carreira em muitas universidades alemãs também é ponto que pesa a favor das universidades americanas que tendem a preparar melhor os estudantes para o mercado de trabalho.  

Apesar de razoáveis, os problemas apontados por Hammel, em sua maioria, parecem advir não da ausência de cobrança de mensalidades, mas de profundas diferenças culturais entre a forma como alemães e americanos enxergam a universidade e seu papel social. O autor cita, por exemplo, a baixa proporção de cidadãos com qualificação universitária na Alemanha em relação a outros países da OCDE. Essa proporção é tradicionalmente baixa na Alemanha já que, como cita o autor, o sistema de ensino alemão seleciona ainda no ensino básico alunos com aptidão para receber educação universitária. A educação vocacional tem tradicionalmente um papel importante no sistema de ensino alemão e, diferentemente do que ocorre nos EUA, várias profissões, inclusive nas áreas de engenharia e saúde, são lecionadas em instituições voltadas para a educação profissional. Nos últimos anos, porém, é perceptível o crescimento no interesse dos pais em fornecer uma educação universitária aos filhos o que aliado a queda nas taxas de natalidade tem acentuado a carência de profissionais com formação vocacional no país.

Hammel também critica a estrutura das universidades e a falta de motivação dos alunos alemães em comparação com os americanos baseado em sua experiência como professor. Apesar da “feiura” dos campi universitários alemães a qual o autor faz referência, problemas de infraestrutura não são reclamação frequente entre estudantes e professores. Investimento em manutenção das instalações é constante e a preocupação com a funcionalidade parece suplantar, na visão dos alemães, o problema estético apontado pelo autor. A desmotivação dos alunos também parece não ter relação com a cobrança de mensalidade, mas ser outro fruto do pragmatismo germânico. Me parece pouco comum entre os jovens alemães o deslumbramento em relação a universidade. Ouço com frequência pelos corredores relatos em que a universidade figura apenas como mero passo no processo de entrada no mercado de trabalho que com cada vez mais frequência inclui como elemento quase obrigatório um mestrado. Diferentemente das universidades americanas, a presença do aluno em sala não é obrigatória, e se o professor não entrega uma aula de qualidade o aluno pode simplesmente estudar em casa e realizar a prova o que talvez explique experiências relatadas pelo autor.

Apesar dos pontos apresentados aqui, o debate sobre a cobrança de mensalidade é legítimo. A redução da dependência, e consequentemente da ingerência do Estado no funcionamento das instituições de ensino superior é talvez um dos melhores argumentos nesse sentido. Apesar de protegida pela constituição, a autonomia universitária não é imune a ataques, como vimos, por exemplo, no Brasil em episódios recentes. O caso do estado de Baden-Württemberg, que reúne algumas das melhores universidades alemãs, também oferece subsídios para um interessante debate. O estado optou por cobrar mensalidades mais elevadas de estudantes internacionais, não por falta de dinheiro, mas por consideras que o custo da educação de desses estudantes não deve sair do bolso de pagadores de impostos alemães. Em resumo, Hammel levanta um debate válido e pertinente, mas apresenta argumentos simples e pouco sólidos que me parecem derivados das expectativas de um americano acerca do que deve ser uma universidade, expectativa muitas vezes distinta daquela dos alemães.

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *

%d bloggers like this: